segunda-feira, 30 de maio de 2011

O Velhinho do Algodão-Doce Ainda Vive

Semana passada, em mais um dos muitos momentos ‘ônibus lotado’ que assolam minha vida, tive uma prazerosa surpresa ao me deparar com um velhinho sofrendo para subir e se assentar na lotação: olhei um tanto de canto, por cima dos óculos e o reconheci: era o mesmo vendedor de algodão-doce que morava bem pertinho da minha escola. Morava ou ainda mora. O seu nome eu não lembro, na verdade acho que nunca soube. Ele era apenas o tio do algodão-doce. Um detalhe importante é que ele não somente vendia a guloseima, mas também a fabricava.
Deparar-me com ele, depois de tantos anos e de muitos algodões-doces, serviu-me como um verdadeiro deslanchar de lembranças. As primeiras recordações datam da época que eu tinha no máximo uns sete anos, e sim, isso faz muito tempo para mim. Coisas que mais lembro desse tempo se relacionam com a minha vida escolar, que foi, admito, uma das épocas mais mágicas da minha vida, até o presente momento. Mas do tio do algodão-doce fazia muito tempo que eu não lembrava. Tanto tempo que nem sei quando foi a última vez que recordei daquela figura que fez parte da minha infância. Explico.
O tio residia em uma casinha simples quase em frente à escola em que estudei todo o meu ensino fundamental. A moradia era simples mesmo, na porta havia uma portinha, por onde o tio e a tia – sua esposa – atendiam quem batesse à porta. Um olho mágico de antigamente. O horário de pico das pequenas batidas na pesada porta de madeira era entre 13:00 e 13:25, antes de começarem as aulas dos meninos. Raramente havia algodão-doce pronto para venda, algo que fascinava os garotos – inclusive a mim – pois, era naquele momento que o tio abria a pesada porta, dirigia-se aos fundos de sua casa - local onde havia um galpão com a máquina de fazer algodão-doce – e convidava o ilustre cliente para assistir ao feitio do produto. Era um espetáculo quase indescritível ver aquela geringonça girar, girar e girar e dali começar a surgir, como se fosse mágica, uma teia de açúcar, que o tio recolhia com o palito e enrolava aqueles fios até formarem o legítimo algodão. A molecada não entendia como que esse milagre acontecia, mas de fato ocorria, à luz de nossos olhos. E como era gostoso aquele algodão-doce feito na hora.  Tinha mais sabor, mais cor (anelina, eu sei), mais perfume e até mesmo mais açúcar. Era na verdade o doce sabor da inocente infância que ali predominava, misturado com uma boa dose de bondade daquele velhinho.
Lembro até hoje do preço que pagávamos pela guloseima: o incrível valor de dez centavos! Exatamente. O tio cobrava os irrisórios 10 centavinhos. Com sete para oito anos eu não entendia nada de negócios, de sistema capitalista – que objetiva o lucro – e tudo o mais, então, ficava faceiro quando ganhava uns trocados da mãe para poder comprar o algodão. Naquele tempo – e até hoje – cobrar 10 centavos de real pelo algodão-doce significa quase não cobrar nada. Por isso, me pus a pensar sobre o valor real desse negócio para o tio. Com aquele olhar bondoso, os passos lentos, as mãos já não tão firmes como eram enquanto jovem, ele não vendia apenas algodão-doce. Ele vendia, embrulhados em saquinhos, porções pequenas de alegria. Não conheço criança que não fique contente com um doce, uma guloseima, um pirulito. O tio amainava os coraçõezinhos de sua clientela com seu trabalho. E ele não as decepcionava nunca. O velhinho recompensava-se mais com um sorriso do que com o valor cobrado. Nem sei se o dinheiro arrecadado dava para pagar sequer a matéria-prima do produto.
Saber que ele está vivo ainda hoje confortou a minha alma. Será que ele ainda vende algodão-doce, depois de tantos anos? Possivelmente não, já que aparentemente apresenta dificuldades de locomoção. Mas o sorriso doce e o olhar manso ... Esses o velhinho ainda mantém. Qualquer dia desses, pego uma moeda, volto a bater naquela porta para perguntá-lo se ele ainda tem felicidade para vender. 

Vinícius Dill Soares
Escrito em dezembro de 2010.



2 comentários:

  1. sou o primeiroooooooooooooo!!! hehehe...

    enfim... nunca vou me cansar de prestigiar o enorme talento do Vini... mais uma vez de parabéns, e desejo muito sucesso ao novo blog!!!

    abraços...

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  2. Lendo o alcance dessas crônicas é possível agraciar-nos de sua leveza, de um pouco de angústia convertida na escolha dos temas, dessa alegria de um final insperado... Obrigado pelo deleite "levemente crônico" por aqui!

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