terça-feira, 16 de agosto de 2011

Sono interrompido

Não me peça equilíbrio às sete horas da manhã.
Os dias são cada vez mais agitados e as noites de sono cada vez mais curtas. Aqueles que podem dormir cedo são agraciados, conseguiram da rotina as suas liberdades condicionais. Deitar cedo. Por que levantar cedo é pré-requisito para uma vida em sociedade. Há os que juram gostar, há os que detestam, sobretudo nas segundas-feiras. Porém, a maioria não encontra escapatória. É encarar ou encarar.
Mas não me peça equilíbrio às sete horas da manhã.
Acordar junto com o sol depois de uma noite pouco dormida causa a impressão de uma leve bebedeira. As pernas são meio moles, a mente não raciocina com lucidez. Só falta a tonturinha e sentimentos intensos como, por exemplo, ser a pior ou a melhor pessoa da face da Terra. Todo bêbado já esteve no auge da felicidade e euforia ou no fundo de um poço transbordando melancolia e tristeza. A diferença é que emoções tão fortes como essas combinam com uma madrugada enluarada e não com um amanhecer de um dia de feira.
Não me peça para decidir às sete horas da manhã.
Por mais que o ônibus não esteja lotado. Ou que o rosto já esteja devidamente lavado.  Ou que o trânsito não esteja normalmente parado. Não há possibilidade de ser coerente antes das 10 horas e de alguma cafeína percorrendo as veias. Bancos sabem disso. Nunca tive notícias de alguém que fez transações financeiras em alguma agência às 8 da matina. Ou de não ter visto por lá um cafezinho, habilmente usado para molhar o bico.
Uma decisão importante deve ser acertada preferencialmente depois do meio-dia.
Não me peça para ser justo às sete horas da manhã.
O sono interrompido leva ao mau humor, ao equívoco e ao constante bocejar. Em alguns casos, também ao ressono.  Na expressão do tio que dorme escorado na janela da lotação às sete da manhã está estampada a sua identidade e apresentação pessoal: sou pai de família, tenho mais de quarenta anos e tive uma noite curta e péssima. Se for inverno, ele sofre por ter abandonado as cobertas quentinhas. Se for verão, ele padece por ter passado a madrugada inteirinha incomodado com o calor e com os pernilongos sedentos por sangue.
Mas não me peça para ser justo às sete horas da manhã.
Sete é a hora de dormir e não de acordar. Sete é um número ímpar, não exige par. Sete é número-primo e não horário de trabalhar. Sete é seis mais um e não um menos seis.
Às sete da manhã, o humor flerta com a acidez.

Vinícius Dill Soares
Agosto de 2011


3 comentários:

  1. Ahh...eu, definitivamente, não funciono às 7hs da manhã. Super me identifiquei com o texto. rs
    Adorei, Vini. Ainda não tinha vindo nesse espaço..visitarei mais vezes. hehehe

    Beijos e abraços!

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  2. Ainda não são dez da manhã.... mas já tomei meu cafézinho... Estou quase lúcida, então posso dizer que você meu amigo poeta Vini, foi bárbaro... captou bem o sentimento humano de ter seu sono interrompido! Lindo!!! beijos

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  3. Que lindo!! Minha cara!! Sou bem assim...
    Acho que os poetas são assim meio magos captam os sentimentos!!!
    Parabéns pelo belo texto!!

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